Tenho saudade dos cadernos de
fiados, tão comuns no Brasil de ontem. Lembro como se fosse hoje de ver meu pai
anotando o valor da compra e o nome (ou apenas o apelido e/ou algo que distinguisse
aquele cliente dos outros mortais). Como era bom ver no semblante daquelas
pessoas a alegria por alguém ter confiado nela. “Seu nome é como, mesmo?”,
dizia ele. “Ponha Dedezinha! Dedezinha neta do finado João das pedras!”,
respondia ela. E para finalizar a compra meu pai dizia: “tá anotado!” A
compradora, sorridente, se despedia com estas palavras: “Obrigado, quando eu receber
o pagamento acerto”. E assim era a prática de meu pai e de muitos e muitos
comerciantes – confiar e confiar.
Tenho saudade daqueles cadernos...
Na confiança há sempre o risco. Mas,
como diz o velho ditado “quem não arrisca não petisca”. E assim era... Muitos
voltavam até antes do tempo previsto para acertar suas contas, honrando suas
dívidas; outros que eram “britânicos” apareciam no dia e hora combinados
incluso com o dinheiro trocado. Outros ainda, nunca mais apareciam, “sabe Deus
onde iam parar”! Literalmente davam calote. Porém, havia também aqueles que com
humildade, suplicavam um prazo maior para acertarem suas dívidas. Já que
estavam impossibilitados de pagar por diversas circunstâncias pessoais. Neste
contexto, postergar, parcelar, abater ou mesmo perdoar aquela dívida era fácil.
Bastava riscar ou borrar o valor no caderno. Na minha experiência, muitas vezes
presenciei meu pai se dirigir ao devedor com essas palavras: “Deixa pra lá”! Ou
seja, você não me deve mais nada. Pode ir tranquilo, está perdoado. O curioso é
que, passado um tempo desde a remissão da dívida, alguns chegavam com algum
tipo de presente (frangos, doces, frutas...) e assim passavam a ser eternamente
gratos.
Tenho saudade daqueles cadernos...
No Brasil de hoje, praticamente poucos
existem. Há sim, boletos e cartões de crédito, “com o cartão de crédito a
senhora pode pagar até em 36 prestações!” argumentam muitos vendedores loucos
para vender seus produtos. Ouse comprar e não pagar em dia, para ver só as
consequências catastróficas. Um deslize referente ao dia do pagamento e você
terá que ir somente naquele banco específico realizar o pagamento, enfrentar
fila e ainda pagar multa. Sem contar que dias depois, corre o risco de chegar
uma carta em casa dizendo que você tem dívida pendente. Daí surge uma nova
corrida seja por telefone, e-mail, chat ou pessoalmente para provar que a
fatura foi paga. Se a pessoa descuidar o nome dela pode ir incluso para o SPC
ou outras instâncias. Se isso ocorrer, prepara-se para seguir lutando, pois a
guerra para sanar essa dívida continua... Ai, de você se não gritar aos quatro cantos,
provando por A+B que já não deve nada.
Tenho saudade daqueles cadernos...
No sistema moderno não importa quem
é o outro que deve. Não há um interesse em conhecer os motivos que levaram ao
atraso do pagamento. Há poucos dias, dentro de um aeroporto no Brasil
presenciei um cidadão, prestes a embarcar, que buscava por celular entender o
bloqueio do seu cartão de crédito por algum tipo de pagamento não realizado,
provavelmente por um descuido, uma vez que segundo ele, nunca deixou de honrar
suas dívidas. Chegou uma hora em que esse cidadão suplicava ao telefone para
que fossem flexíveis já que estava embarcando para outro país e só levava
consigo o cartão bloqueado. O final dessa história dá para imaginar...
Tenho saudade daqueles cadernos...
Infelizmente, assim como desconfiamos
dos clientes, também não confiamos nas demais pessoas. Desconfiamos incluso da
nossa própria sombra. Consequentemente, perdoar se tornou burocrático e
impessoal. A nossa sorte é que Deus Pai segue com o seu caderninho... Ele olha
amorosamente para nossa vida e vendo nossa fraqueza e arrependimento diz com
carinho: “Deixa pra lá” e, imediatamente borra nossa dívida.
Que saudade eu tenho dos cadernos de
fiado!
Edvanio, sf